segunda-feira, 30 de março de 2009

A Inquisição de Leonardo Boff - Acreditem - No início de 1990.

Sei que mídias como blog, não tem a característica de receber textos grandes. Mas, gostaria muito de compartilhar com vcs uma entrevista feita com o Teólogo Leonardo Boff, onde ele conta sobre seu processo em relação ao Vaticano e a Igreja, após publicar seu livro: Igreja, Carisma e Poder.

Segue parte da entrevista: ( Vale grandes comentários e uma boa discussão.)

Sérgio de Souza - Você poderia descrever esse tribunal, como ele funciona?

Leonardo Boff - O tribunal é dramático. Me senti literalmente seqüestrado. O convento dos frades fica logo atrás do Vaticano. Eles vieram com um carro, eu estava me despedindo do superior, dos cardeais, dois oficiais do Santo Ofício me agarraram, me empurraram carro adentro, porque haviam dito que eu deveria chegar às 9 horas em ponto. Três para as 9 estavam ali, me agarraram e me empurraram carro adentro...

Marina Amaral - A guarda suíça?

Leonardo Boff - Dois guardas suíços e mais um oficial do Santo Ofício, que vinha junto pra dizer: "É aquele!" Então, o carro foi pela rua e num ponto foi pela contramão, com a sirene aberta. Peguei no chofer e disse: "Olha, posso ser herege, mas é melhor um herege vivo do que um herege morto, e eu quero viver". (risos) O repórter Lucas Mendes, que estava cobrindo o episódio, vinha num carro logo atrás, tanto que, quando o nosso entrou no jardim do Palácio do Vaticano, ele entrou junto e foi preso. Ficou umas cinco horas lá dentro. Ele considera uma das suas glórias, ele, como jornalista, preso pelo Vaticano. Passamos por um enorme portal de ferro, com uns pregos imensos espetados para fora, o carro parou para que aquilo se abrisse e eu disse: "Aqui é que é o local da tortura?" E aquele oficial me deu uma cotovelada, com toda a violência... Aí atravessamos os jardins, chegamos até uma entrada, desci do carro e dois guardas suíços já estavam ali na porta do elevador, abriram, subi dois andares e lá estava o cardeal todo paramentado, com outros dois guardas. Assim que abriu a porta do elevador, ele me recebeu. Como é bávaro e eu aprendi bávaro porque estudei em Munique, eu disse no dialeto: "Gricia nargo per cardinala" – pra desfazer aquele ar pesado...

Frei Betto - Em português, o que foi que você disse?

Leonardo Boff - "Salve, senhor cardeal", "Deus te proteja, senhor cardeal", que é uma saudação que o povo faz na rua. Aí ele me pegou pelo braço e me levou...

Sérgio de Souza - Aí você está sozinho?

Leonardo Boff - Sozinho. Me levou até o fundo, onde tem uma saleta, lugar onde eram julgados todos os inquiridos. E lá está a cadeirinha, a mesma em que sentou Galileu Galilei, sentou Giordano Bruno... e fiz uma saudação a ela, o que irritou o cardeal. Tem uma mesinha no meio, a cadeirinha aqui, o inquisidor lá, e o notário aqui ao lado, que vai anotando tudo. E atrás tem um pequeno anfiteatro, porque antigamente eram muitos os inquisidores, e embaixo ficava a sala de torturas, que existe ainda.

Marina Amaral - O processo de inquisição, a maneira como a Igreja se comporta ao inquirir uma pessoa ainda é a mesma, não houve uma atualização?

Leonardo Boff - Fundamentalmente não houve atualização.

Frei Betto - Até piorou, porque atualmente, depois do estabelecimento da infalibilidade do papa, nenhum réu pode ter direito a defesa, porque não se pode partir do princípio de que a autoridade eclesiástica esteja equivocada. Então, não existe direito à defesa, é o único tribunal do mundo onde isso acontece.

Leonardo Boff - É onde a mesma instância acusa, a mesma instância julga, a mesma instância pune.

Marina Amaral - Não pode pedir perdão...

Leonardo Boff - Não, não.

Frei Betto - Não pode se defender; não pode constituir advogado.

Leonardo Boff - Não pode ter advogado, aliás, existe advogado, mas você não conhece. Você tem um advogado chamado advocatus proautore, que você não conhece, que junto aos cardeais faz o advogado do diabo, toma a minha defesa, mas não pode conversar comigo, nem sei quem é.

Sérgio Pinto - Você pode falar ali?

Leonardo Boff - Não. Só responder. E você não tem acesso às atas, não sabe
quem são os acusadores. Só conhece algumas perguntas, o cardeal é que tem todo o material, extenso, que é o documentário dele.

Sérgio de Souza - Continuando a história, você senta na cadeirinha...

Leonardo Boff - Antes eu faço aquela homenagem...

João Noro - Você respondia às perguntas em latim ou italiano?

Leonardo Boff - O cardeal perguntou: "Você quer em alemão, espanhol ou italiano?" Respondi: "Olha, cardeal, em alemão o senhor é forte porque o senhor é alemão, então vou pedir em espanhol porque o senhor é mais fraco". (risos) Tudo era guerra ali, tudo era jogo limpo. Então falamos em espanhol, embora ele tivesse o texto em alemão, italiano, espanhol e português. Ele disse: "Se você quiser fazer um debate livre, o notário anota tudo, para não ficarmos três dias aqui. Você pode deixar que eu pergunto, então você responde. Ou você pode pegar o teu escrito e segui-lo". "Prefiro seguir o meu escrito." "Não, é muito comprido." Eram sessenta páginas. "Vamos selecionar algumas questões, o resto os cardeais vão julgar o texto como um todo." E logo acrescentou: "A minha função aqui não é julgar você, nem interrogá-lo, é escutar o que você diz e ver se está conforme a fé cristã ou não." "Mas na base de qual critério?" "A minha função é esta, de ter os critérios." Ele é que decide, você está entregue ao arbítrio.

Leo Gilson - Isso me lembra Alice no País das Maravilhas, em que a rainha diz: "Primeiro cortem-lhe a cabeça, depois vamos julgar".

Leonardo Boff - A verdade é que você sente que não tem nenhuma proteção, nem jurídica, nem humana, e que está entregue ao arbítrio. Que na Igreja não funciona nem a lei divina – que eles interpretam como querem –, nem a lei humana, que eles não aceitam. É o arbítrio do príncipe, que é o papa que quer assim, do cardeal que quer assim.

Sérgio Pinto - Quanto tempo durou a sessão?

Leonardo Boff - Os nossos dois cardeais do Brasil quiseram participar de todo jeito, e o cardeal Ratzinger negou: "Absolutamente". Então eles foram ao papa e o papa fez o jogo salomônico: "O tribunal terá duas partes, na primeira só o Ratzinger com o Boff e na segunda só os cardeais". Então me submeti àquele diálogo de uma hora e meia e houve uma pausa para o café. E o curioso é que foi naquela sala enorme, o cafezinho lá no canto e os funcionários correndo pra me pedir autógrafo e o cardeal furioso: "Ele é condenado, ele é condenado!" (risos) Bom, depois da pausa para o café, vieram os cardeais. E aí dom Paulo foi terrível, porque quase não deixava o Ratzinger falar: descobriram que foram colegas de estudo quando eram estudantes de doutorado em Munique, trocaram idéias sobre os professores que morreram ou não. Três dias antes havia saído um documento condenando a Teologia da Libertação, então, no momento apropriado, dom Paulo disse para o cardeal: "Cardeal Ratzinger, lemos o documento e ele é muito ruim. Não o aceitamos porque não vemos os nossos teólogos dizendo e pensando o que o senhor diz da Teologia da Libertação. Inclusive, queremos sugerir que o senhor os chame para elaborar um documento e depois vocês o completam. Se quero construir uma ponte, chamo um engenheiro, e o senhor, para construir a ponte, chamou um gramático, que não entende nada de engenharia. Então, não aceitamos este, queremos um segundo documento". E acrescentou: "Boff, você está aí com o seu irmão, o Gustavo Gutierrez, amanhã vocês já sentam juntos e fazem um esquema". De fato, fizemos o esquema e levamos ao Santo Ofício.
Veja uma entrevista com Leonardo Boff sobre a Inquisição e a eleição do novo Papa:


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